sábado, 10 de fevereiro de 2018

Somos um povo viciado em imprecisões

Um povo que tem o “mais-ou-menos” como estilo de vida, não pode esperar um futuro excelente
Por: José Boas

Conversando com meu amigo Vladmir (que hoje mora na Polônia) e meu tio Osvido, fui chamado a prestar atenção em um traço cultural muito interessante, típico do povo brasileiro: um amor quase doentio à imprecisão!

Sim, somos um povo que ama ser impreciso; uma gente que adora tratar a vida com a mesma responsabilidade com que um médico bêbado opera um tumor no cérebro de seu paciente... e, se algo der errado dentro da roleta russa de nosso algorarítimo de imprecisões múltiplas, “damos um jeitinho”.

Walt Disney foi cirúrgico ao descrever a cultura brasileira através de Zé Carioca: simpático, sem um emprego certo, sem nenhuma qualificação, malandro...


Até a nossa Constituição atual, a mais longeva de todo período republicano (das seis que o período já teve até agora) vive de remendos, de “emendas”, de ajeitos, de arranjos... e há quem diga que isso dá “maleabilidade” ao ordenamento jurídico nacional. Ora, se isso for verdade, então o monstro de Frankenstein deve ser o protótipo do ser humano ideal!

O fato é que o concreto, o exato, a pontualidade, o mensurável... tudo isso incomoda muito a índole do brasileiro médio. Quer ver um brasileiro típico ficar chateado? Diga a ele que está atrasado cinco minutos para um evento ou um encontro! Diga a ele que a medida certa é 99 cm e não 1m! Diga a ele que a distância que precisa ser percorrida é de 3,4km e não de 3km... exija alguma exatidão, algum esmero, algum refinamento.

Macunaíma, interpretado por nosso genial Grande Otelo... Mário de Andrade e sua antropologia cristalina e certeira

O ethos brasileiro é forjado no mais fino macunaimismo! Cedo é entre as 06h e o meio-dia; depois é “tarde” até anoitecer e, depois... é noite; as leis são cumpridas segundo as medidas, os interesses e as interpretações de cada um; o espaço público não é de todos, mas do governo... e como “governo” não é gente, e não sendo de ninguém, pode ser depredado!

Um povo que vive sob um regime assim, neste mais-ou-menos, não se profissionaliza, não se qualifica, estranha a proposta de desejar ser o melhor em seu ramo... porque tudo isso demanda trabalho, esforço, dedicação, empenho, frequência... nada mais anti-Macunaíma; nada mais anti-malandragem; nada mais anti-jeitinho... um povo que vive assim, jamais encontrará excelência em absolutamente nada, será sempre amador, quebra-galho, mela-mão, o mexeriqueiro “faz-tudo”. Já o inverso disso, o persistente, o profissional, o exigente, o preciso, o analítico, o exato, o criterioso... esse é estranho, “caxias”, metido, chato.

Severino, o Quebra-galho... típico mal-formado, "pau-pra-toda-obra" que, por medo de perder seu emprego, se sujeita a qualquer atividade imposta por seu patrão


O mais estranho nisso tudo, no entanto, é que quando exigido desse mesmo povo uma medida de qualidade, a referência é sempre uma outra cultura, um outro sistema que, de alguma forma, respeita condutas e determinações como algo relevante: “ahhh, mas nos Estados Unidos”; “olha, se estivéssemos no Japão...”; “Sabe, quando eu estive na Alemanha”... Existem referências de precisão, mas elas são sempre boas para os outros! Funcionam lá fora como se fosse por um tipo de energia mágica, algo inatingível, embora desejável (mais ou menos desejável, pois tamanha precisão, não sei não...).

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