Odiamos o concreto, o
histórico, o que demanda conservação, o que exige um determinado comportamento
referencial... nossa base cultural é, enfim, não ter base nenhuma.
Por: José Boas
Somos
um povo que, salvo honrosas ilhas de exceção, odeia qualquer tipo de tradição ou tem cuidado
com seu passado. Sim, reconheçamos, detestamos tradições; torcemos o nariz para
as essências; queremos reinventar a roda e redescobrir o fogo todos os dias
segundo as nossas próprias experiências, erros e tentativas... e mais erros,
até acertarmos, quase que por acidente!
Pelourinho, em Salvador-BA, para fora do circuito turístico: preservar para que mesmo?! |
Neste
ponto o positivismo, ideologia francesa que só encontrou ouvidos no Brasil e
que nos presenteou com a magnífica república que temos hoje – ágil,
inteligente, eficiente, progressista ... só que não! – fez bem o seu papel: nos
ensinou a torcer o nariz para tudo que parecesse “velho demais”. Erramos (mas com orgulho, diga-se de passagem!) ao
achar que nosso próprio passado nada tem a nos ensinar; para nós História não é
ciência, é conhecimento bobo, praticamente sem serventia... coisa de “filósofo”, uma espécie de “adorno intelectual”.
Benjamin Constant, positivista, julgava que os olhos voltados cegamente para frente levariam a sociedade brasileira a um patamar de "ordem e progresso". Até hoje não chegamos lá |
Esse
desprezo à essência, ao passado, àquilo que deveria nos servir de base para os
acertos e de lição para os tropeços, se mostra evidente ao observarmos a
deterioração de boa parte de nosso patrimônio histórico, quer seja na igrejinha
secular da vila ou no palacete da metrópole... “coisa velha! Deveria ser demolida
para dar lugar a algo mais moderno!”. Mas esse positivismo todo não
fica no físico, se alastra por nosso ethos:
odiamos o cerne, o efetivo, o conceitual, o concreto das coisas... preferimos o
aparente, o relativo, o maleável, aquilo que não tem uma forma definida, pois
assim podemos burlar, darmos uma de “joão-sem-braço”,
podemos esconder nossa falta de especialização e de conhecimento sob o véu do “jeitinho”... podemos dizer que “a lei não pegou”, que somos “católicos
não-praticantes com simpatia pelo candomblé e pelo budismo”, que podemos “fazer uma gambiarra aqui ou acolá, se
ninguém estiver vendo”.
Há quem chame qualquer gambiarra de criatividade... na verdade a gambiarra é o "quebra-galho" diante das dificuldades; é a solução precária diante da impossibilidade de ter o necessário |
Pero
de Magalhães Gândavo, um desses portugueses malucos que resolveram abandonar a
Europa para aventurar-se nas matas daquele tal “Mundo Novo” do qual tantos falavam, talvez deixasse brotar no canto
da boca um daqueles sorrisos maliciosos (com uma ponta de orgulho), que muitos
traduzem na frase: “eu não disse?”. “Eu não disse que essa gente não tem fé, não
tem lei e não tem rei?”...
Não temos isso porque tudo
isso demanda tempo, burilamento, aperfeiçoamento, trato com o total, observância
a costumes, raízes morais, teias simbólicas e amarras de coerção social... nada
mais avesso ao nosso amado positivismo do dia-a-dia.
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